terça-feira, 15 de setembro de 2009

FABRICAÇÃO DAS VARAS DE FLY - Análise passo a passo

Antes de qualquer coisa, este texto foi publicado em novembro de 2002, no site do meu grande amigo Sérgio Marchioni, mais conhecido como 100. O site, O PESCA COM MOSCA.


Da mesma forma que escrevi lá, estou reproduzindo aqui. Muito mais como um arquivo pessoal do que quaquer outra coisa. De lá para cá algumas coisas mudaram, em termos de evolução de equipamentos, especialmente nas varas de fly, mas vou preservar o texto integralmente.


E da mesma forma que lá publiquei, é importante ressaltar que este texto não trata da história ou origem das varas de fly, mas sim da análise da construção dos blanks, da maneira mais didática possível .


A idéia de escrever sobre isso se deu em razão de, em muitas vezes, durante os cursos de fly que ministramos na FLY CAST, ouvirmos dos pescadores/amigos, perguntas como estas: "Que vara de fly eu devo comprar?" "Por que determinada marca é melhor que outra?" "Por que esta vara descarrega uma linha de uma forma que nos encanta tanto?"



Pois bem, as respostas a estas questões, no meu modo de entender, estão ocultas dentro das próprias varas e podem ser deduzidas a partir do próprio processo de sua fabricação, através de três conceitos básicos:


1. MATERIAL CORRETO.


FIBRA DE CARBONO, também conhecida como GRAFITE. É medida ou avaliada por sua rigidez ao peso (Módulo) e resistência à flexibilidade. A grafite origina-se de um material sintético - POLYARCRYNOLITO (PAN) - que é fundido a temperaturas superiores a 2.000 Graus Fahrenheit. As primeiras fibras de carbono, da década de 1970, tinham módulos extremamente altos, se comparados com as fibras de vidro: quase 5 vezes maior, porém, com a metade da resistência.


No que se refere a rachaduras e quebraduras, as primeiras varas de grafite tiveram que ser desenhadas com uma grossa parede para obter uma maior resistência quando usadas.

Com a evolução tecnológica, as grafites atuais possuem o triplo de resistência que as primeiras grafites usadas e, a partir do desenho, se conseguiu a redução das paredes e, por conseqüência, o peso das varas. Mesmo com a redução do peso, ainda se mantém uma resistência excepcional.


As grandes indústrias de varas de fly são proprietárias de formas exclusivas de confecção da grafite.


Isto começa a responder as questões acima colocadas.


Cada fábrica tem uma tecnologia específica e isto é guardado como segredo de Estado. A disputa aqui é conseguir um módulo mais alto com resistência por peso, ou seja, conseguir desenvolver blanks mais resistentes à flexibilidade com o menor peso possível.

Quando as fibras de carbono são saturadas em resinas e curadas (secas em fornos especiais) criam uma estrutura extremamente forte.
Outro aspecto importante é o sistema de resinado.

Os sistemas de resinados passaram por diversas mudanças nos últimos 20 anos. O resultado disso é que temos blanks mais fortes e mais duráveis. O Epóxi, junto com endurecedores (catalisador), é misturado e impregnado dentro das fibras de carbono.

O resultado final dessa mistura é denominado PREPREG.

O PREPEG é fabricado por empresas especializadas em adesivos e de fabricação de resinas.

Estas indústrias desenvolvem o Prepreg em diferentes graus e pesos, na forma de lâminas.

Estas lâminas são resfriadas e enviadas às fabricas de varas, pois o epóxi não deve começar a catalisar e secar antes do seu uso.


Além da fibra de carbono e resina, outro ingrediente importante adicionado ao Prepreg é o Scrim ou Malha.

O objetivo da malha é reforçar a parede de costado do tubo que forma o blank e evitar que esse se torne oval quando a vara for arremessada ou numa briga com um peixe.

O Scrim é uma finíssima tela feita com diversos materiais.

Geralmente utiliza-se na malha a fibra de vidro, mas algumas indústrias estão utilizando alguns metais (boro, níquel ou titânio, por exemplo).

As indústrias desenvolvem as malhas, orientando-as da forma que entendem ser melhor:


Algumas são orientadas a 90 graus, outras são cruzadas, outras são orientadas na mesma direção que a grafite.

Todas, entretanto têm a função de manter a vara "redonda" e também previnem as rachaduras no comprimento das paredes do costado da mesma.

As indústrias ainda utilizam uma variação de orientação das fibras que compõem a malha.

Algumas têm uma alta porcentagem de fibras orientadas em direção oposta à grafite, outras desenvolvem uma malha em que as fibras se diagonalizem com relação a direção das fibras de carbono.

Qual o resultado disso? Muito mais leves em peso.

Estes modelos mantêm, de maneira excepcional, o seu "arredondamento" e, graças à resposta do scrim à grafite, consegue-se uma redução do peso com uma grande rigidez (módulo) e recuperação do material à curvatura e a sensibilidade na pesca.

Aqui, certamente temos uma segunda resposta às questões colocadas no início.

As indústrias procuram melhorar a cada ano o scrim. O objetivo é conseguir um equipamento mais durável, resistente com o menor peso possível.

Uma simples variação na orientação das fibras da malha pode ser a chave do sucesso de um blank.

2. DESENHO

O desenho é produzido a partir de materiais altamente refinados e sensíveis. Utiliza-se máquinas tecnologicamente superiores de construção e de última geração.

Os responsáveis por este trabalho são os Engenheiros de Desenho, cuja função é desenvolver a qualidade e performance das varas de fly.

O desenho de um blank, via de regra é calculado sobre a base das exigências de performance e tipo de material. Os Engenheiros de Desenho buscam otimizar o melhor formato cônico (taper), com uma parede com um bom grau de material e resistência para alcançar a performance e características da ação desejada (mais lenta ou mais rápida).

O desenho pronto é chamado de MODELO ou PROTÓTIPO.

O MODELO é desenvolvido a partir de materiais com graduação especifica, que objetivam alcançar a tolerância desejada para cada vara. Assim, cada modelo terá, de acordo com a graduação do material, a numeração no blank. Ou seja, a graduação do material empregada em cada modelo gera a numeração específica.

Uma vara número 2 tem um percentual inferior de material que uma vara número 6, que, por sua vez, tem uma quantidade inferior de aplicação de material que uma vara 10. Isso é que determina a tolerância da vara.




Tão logo os modelos começam a ser produzidos, pré-testados, medidos em peso, ação, rigidez e resistência, ele são submetidos aos Field Testers, ou seja, os testadores de campo.

É aí que entramos nós, os pescadores. É nesse momento que alguns pescadores vão testar os limites do equipamento, em situações reais (pescando mesmo). Na situação prática e real, algumas evoluções são feitas.
Alguns ajustes no desenho, para se obter a performance requerida, ou adequações do equipamento às necessidades dos pescadores e do tipo de pescaria a ser realizada.

Este processo pode ser repetido várias vezes até que sejam aprovados para a fabricação.


3. FABRICAÇÃO

A fabricação se dá através dos moldes interiores que são utilizados na fabricação das varas. Este molde recebe o nome de MANDRIL. O Prepreg é enrolado ao redor do mandril para criar a forma tubular. Feitos em aço inoxidável e cromados, o formato cônico do mandril e o tipo de grafite a ser utilizado determinarão que tipo de ação cada vara terá. Aqui encontramos outra resposta aos nossos questionamentos iniciais.

Estas fôrmas cônicas (tapers) são guardadas e são secretas. É daí que saem as expressões rápida, lenta, extra-rápida, progressiva, etc. As melhores marcas se destacam entre as outras pelo seu "achado" em conseguir boas fôrmas (tapers), com ações mais agradáveis do que as outras.

A combinação do diâmetro, taper, módulo de material e uma resina bem distribuída por todo o comprimento da vara formam o fator mais importante e preponderante para a ação, peso e resistência de cada vara de fly. Encaracolando a grafite ao redor do mandril baixo em alta pressão é a forma como ocorre o processo. A tensão com que a grafite é encaracolada (enrolada em forma espiral sobre o mandril) e a densidade que se forma em sua estrutura darão à vara uma maior resistência, quando terminada.

Neste processo, é notável a diferença de varas obtidas com maquinário específico e exclusivo.

A próxima fase é a colocação de um filme externo. Para a melhor compressão futura de todo o material, coloca-se uma cinta ou filme plástico ao redor do mandril/prepreg. Esta fase é chamada de OPERAÇÃO CELOFANE ou ETAPA CELOFANE. Este processo cria na vara um molde exterior, uma vez que o mandril se mantém como molde interior.


As melhores indústrias de varas possuem maquinas próprias para isso. A importância desse equipamento está no ajuste de pressão e quantidade de voltas do cintado. Nas varas de baixa qualidade, por exemplo, pode-se perceber este cintado através da visão.


Aqui se tem mais um detalhe e resposta às dúvidas, ou seja, como a resina se dissolve em baixa pressão e calor durante o processo de secagem, movendo-se através do cintado, salientando a superfície do mesmo. E se o cintado é de baixa qualidade, temos ainda uma pobre ou má distribuição da resina pelo corpo da vara, o que gera fragilidade no equipamento, sendo maior a possibilidade de quebra.


A etapa seguinte é a secagem do PREPEG impregnado com o epóxi. Geralmente essa fase do processo ocorre em um forno onde circula ar quente, podendo durar de 50 minutos a algumas horas. A temperatura do forno gira em torno de 200 a 300 Graus Fahrenheit. A diferença no tempo e temperatura se dá de acordo com a resina utilizada. Depois que todas as partes estiverem secas, passa-se à extração do mandril de dentro do blank.


Esta etapa recebe o nome de PULLING. Um equipamento especial realiza o processo, tirando o mandril com uma prensa através de sua parte mais ampla e de forma hidráulica, fazendo assim uma perfeita separação do mandril/ blank, sem que ocorra nenhum estrago na vara. Algumas fábricas realizam este processo à mão, mas os riscos de acontecerem estragos são bem maiores.


Algumas fábricas agregam, ainda, a este processo, o polimento do blank.


Depois de todas estas etapas, retira-se o excesso de epóxi, através de equipamentos de polimento ou manualmente.


O resultado disso é que se obtém um blank mais leve. O processo continua agora com o controle do blank. Este controle é realizado por Engenheiros de Blank, que submetem a vara a maquinários especiais que curvam o mesmo até sua tolerância máxima, além de revisão de encaixes e terminação manual.


Assim que for encerrado o controle, alguns modelos são submetidos a um banho de cor para efeito de estética. São aplicadas pinturas epóxi especiais, de um acabamento brilhante ou fosco.


Os responsáveis por estas pinturas são, novamente, os engenheiros de desenho que as elegem com o objetivo de obter o mais importante, que é agregar o menor peso ao blank.


Chegamos ao final da fabricação das varas de fly.


O pescador agora tem condições de saber como foi produzida aquela vara de fly que ele tanto deseja.


Resta, porém, uma questão a ser respondida:




"Qual a vara que devo comprar?"


E posso responder, sem maiores problemas:


"Aquela que tenha uma grafite de alta geração; uma resina especial; uma malha com fibras que garantam uma segurança e uma "redondez" ao equipamento; uma cinta de celofane de alta qualidade e um banho de cosmética que não agregue peso ao blank.

Marca???

Bem, isso aí já é de gosto pessoal."